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O fim do mundo

Este texto foi originalmente escrito em 2011. Aqui está, com leves modificações. –  O MUNDO VAI ACABAR!  – ouviu-se uma voz desesperada vinda da rua. Um jovem triste compartilhava da conclusão, mas não do desespero. Sozinho, na sala de seu apartamento, ao som de  rocks  antigos e melancólicos, balançava pra lá e pra cá um copo de vinho tinto barato. Sem taça, sem nacionalidade, sem séculos de envelhecimento. Lembrava de tempos em que estivera acompanhado. Bons tempos, boas companhias. Se acreditava no amor? "Claro", tinha vivido muitas das alegrias e decepções do amor. Se um dia encontraria a alma gêmea, para todo o resto da vida? “Tomara”, repetia três vezes, por superstição. E teria filhos. Um casal, de preferência. Ambos os filhos jogariam xadrez, um deles tocaria violoncelo e o outro leria  Dom Casmurro  aos onze. Teriam uma casa, nem grande, nem pequena: suficiente. Mas seriam razoavelmente ricos, porque todo aquele trabalho compensaria. Contudo, as ilus

Cartas para Duda (V)

Duda, Já há algumas luas não te escrevo, será que o mar reparou? Acho que eu oscilava entre o receio e a procrastinação. A vida real, que nos despeja obrigações, teses e boletos, abreviava meus sonhos com você. Mas não impedia pequenas doses de ócio, que me proporcionaram algumas inspirações apreciáveis. Uma noite dessas, o luar me fez ver com mais clareza. E enxerguei um dos componentes da fórmula da felicidade. É claro que você sempre foi uma constante. Mas identifiquei naquela noite um propósito que me faltava. Uma variável que passava pela minha ciência, pela minha arte e pela minha nação. E só então entendi que todos esses elementos eram a mesma coisa, indissociável. Isso é uma falha tão humana, Duda. Demasiadamente humana: dar nomes diferentes para a mesma coisa. E assim achamos que não vamos precisar, algum dia, lidar com aquela complexidade. Doce ilusão. A Lua ria de mim e do tempo que demorei a entender aquela premissa tão lógica e irônica. Por mais que você se distancie de mi

Cartas para Duda (IV)

Duda, Lisboa foi para mim um reencontro. Vi de onde o Tejo conduziu desbravadores ancestrais ao Oceano, para fundar nações, mercados e dívidas. E aquilo provocou em mim alguma sensação de pertencimento que há muito não sentia. Apreciava o pôr do sol iluminando o rio com um belo samba nos fones de ouvido, quando notei um velho português com cabelos e barba muito brancos ao meu lado, fazendo menção de falar. Retirei os fones para ouví-lo indagar sobre o que cantavam na música que eu ouvia. Hesitei algum tempo, imaginando se o volume estaria tão excessivamente alto. Ao que ele se adiantou, dizendo que todas as canções eram sempre sobre a mesma coisa. Perguntei se eram de amor. Ele negou. E explicou que todas as canções eram sobre saudade. Depois, repousou seu olhar sobre o ponto mais distante do Tejo que a vista alcançava, deixando que aquela verdade incontestável se assentasse. E contemplamos o tempo em silêncio. Hoje, sinto saudades daquele instante e precisei escrever uma carta que ten