O fim do mundo
Este texto foi originalmente escrito em 2011.
Aqui está, com leves modificações.
Um jovem triste compartilhava da conclusão, mas não do desespero. Sozinho, na sala de seu apartamento, ao som de rocks antigos e melancólicos, balançava pra lá e pra cá um copo de vinho tinto barato. Sem taça, sem nacionalidade, sem séculos de envelhecimento.
Lembrava de tempos em que estivera acompanhado. Bons tempos, boas companhias. Se acreditava no amor? "Claro", tinha vivido muitas das alegrias e decepções do amor. Se um dia encontraria a alma gêmea, para todo o resto da vida? “Tomara”, repetia três vezes, por superstição. E teria filhos. Um casal, de preferência. Ambos os filhos jogariam xadrez, um deles tocaria violoncelo e o outro leria Dom Casmurro aos onze. Teriam uma casa, nem grande, nem pequena: suficiente. Mas seriam razoavelmente ricos, porque todo aquele trabalho compensaria. Contudo, as ilusões e demais expectativas para o Futuro tinham um espaço muito bem delimitado em sua mente – próximo ao espaço do que já passou – revisitado apenas quando necessário. Afinal, de fora, estava a vida. E um mundo em chamas.
Viu um grande e rápido relâmpago através da janela. Em seguida, um trovão estranhamente forte ecoou por todo o espaço. Sua reação limitou-se a encher o copo que, finalmente, havia esvaziado. Depois, ajeitou sua posição no sofá. Os barulhos, vindos de fora, eram cada vez mais altos e caóticos.
A despeito das inconstâncias do amor, em sua vida, sempre tivera muitas amizades. Duradouras, efêmeras, próximas, distantes, especiais. Uma delas, em particular, moldara o seu comportamento em relação a todas as outras. Tomou mais um gole de vinho e mergulhou na vida, pois “recordar é viver”.
Um boneco sem uma das pernas contemplava toda a floresta de gramíneas de cima de sua torre. Não era um pirata. Era algo entre super-herói e policial. Esperava que, a qualquer momento, surgisse da floresta o Grande Vingador. Que talvez fosse um deus grego. Ou apenas algum herói. O Vingador sairia de sua mansão improvisada a partir de pedaços quaisquer de madeira, atravessaria a floresta de gramíneas (talvez, tivesse que atravessar o córrego de lama) e, finalmente, subiria à torre para cumprir seu...
Cabum.
“Sua mãe tá te chamando.”
Cabum.
“Sua mãe tá te chamando.”
Cabum.
Uma amizade da infância que terminara de modo inesperado. Nem morte, nem doença, nem mudança, nem briga. Bobagem. Terminara por uma bobagem tão desprezível, que até lhe fugia da memória. O que foi mesmo que os tornara distantes? O que foi mesmo que apagara os telefones, endereços e demais contatos das agendas mentais?
Cabum.
O fim inexplicável o tornara questionador. Nunca mais deixaria que qualquer mal-entendido reinasse soberano. Nunca mais perderia gratuitamente coisas importantes na vida. Ao menos, lutaria. Ao menos, choraria.
Cabuuuum.
Algo atingira o prédio. Sem querer, derramou um pouco de vinho.
– Droga! – exclamou. – Nem no fim-do-mundo essa sala fica limpa!
Abandonou delicadamente o copo e caminhou rumo à janela. O que viu foi um espetáculo. Fogo devorava casas e prédios inteiros. O céu era frequentemente cortado por rajadas de raios multicoloridos. Os carros estavam, em sua maioria, de cabeça para baixo. (Por isso não ouvia mais buzinas). Árvores tombadas, lixo revirado, outdoors intactos. Os semáforos revelavam a loucura colorida daqueles tempos, num verde-amarelo-vermelho indefinido e, por vezes, simultâneo. Os pedestres ocupavam as ruas, correndo afoitos. Seres – teoricamente – humanos confundiam-se com o lixo. Apenas alguns caminhavam tranquilos: a dona Corrupção, em seu silêncio; o senhor Orgulho, em sua elegância; o ilustríssimo Preconceito, em sua agilidade... E um profeta do tempo, em trajes largos, declamando, feliz: “EU AVISEI!”.
Sim, o mundo iria acabar. E o que viria depois?
De repente, a garrafa de vinho explodiu.
"No seio mesmo da tragédia sinto o fermento da meditação crescer. Não tenho dúvida de que poderosos artistas surgirão das ruínas ainda não reconstruídas do mundo para cantar e contar a beleza e reconstruí-lo livre. Pois na luta onde todos foram soldados - a minoria nos campos de batalha, a maioria nas solidões do próprio eu, lutando a favor da liberdade e contra ela, a favor da vida e contra ela - os sobreviventes, de corpo e espírito, e os que aguardaram em lágrimas a sua chegada imprevisível, hão de se estreitar num abraço tão apertado que nem a morte os poderá separar. E o pranto que chorarem juntos há de ser água para lavar dos corações o ódio e das inteligências o mal-entendido."VINICIUS DE MORAES
"Todo o fim é contemporâneo de todo o princípio; só a nossos olhos vem depois."AGOSTINHO DA SILVA
Comentários
Postar um comentário