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Mostrando postagens de setembro, 2022

Cartas para Duda (VIII)

Duda, Você já sentiu tudo tão grande, que fosse transbordar? Tudo tão imenso e plano. As pessoas, os relevos, a terra, a política. O plano dos políticos para a educação. O plano de vida com emprego estável, aposentadoria e toda uma descendência. São só planos, deveria ser fácil transbordar, não? Então, por que o amor não transborda, Duda? Quem sabe um dia seja esse o plano. Beijos esféricos, Sempre seu.

Cartas para Duda (VII)

Duda, Antes, eu não entendia como o vocalista podia cantar tão intensamente sobre seus amores, usando metáforas de reis e coroas, de túmulos e flores, de cânceres que não paravam de crescer. Nem como o romancista associava lembranças do coração ao aroma das amêndoas ou às misteriosas borboletas amarelas. Do alto de suas solidões, eles evocavam tempos em que não estiveram sós. E descreviam imagens tão poderosas, como se as vissem mesmo de olhos fechados. Há quem não entenda, Duda. Há quem nunca vá entender, por dificuldades de sair de si ou outras fatalidades diversas. Mas há quem entendeu inesperadamente, num estalo fortuito, no limiar entre o apagar das luzes e o adormecer, ou numa dor tão avassaladora e inexplicável quanto a morte. De uma forma ou de outra, é real. Uma realidade nem sempre acessível, mas forte, como outras realidades que podemos conhecer. Só me resta ser grato por te ter conhecido, Duda. Com amor, Sempre seu.

Cartas para Duda (VI)

 Duda, Sei que me calo às vezes, e calado vou ficando. Como naqueles três dias e três noites de carnaval. Mas é por não saber escolher as palavras. Ou canções. É o medo das palavras-flechas, que ferem os alvos, como te feri tantas vezes. Minhas frases sempre caminhavam na tênue linha entre a lapidação e a lápide. Nestes momentos de remorso, olho pela janela e vejo o pequeno pedaço de céu azul que me é acessível. E vejo nas asas dos pássaros e nas nuvens morosas, algo de amoroso, livre e pleno, que não espera nossas frases para existir. Ou resistir. O ciclo da vida pode até ser um alvo das nossas frases de política e capitalismo, mas não das nossas frases de amor, Duda. Ou será que há um pouco de amor na política, no capitalismo, na pandemia? Com amor ou ódio, assim segue a humanidade. Muito se sustenta com silêncios. São as pausas semibreves que também compõem canções. Beijos silenciosos, Sempre seu.

Paenior (I)

Quando me relataram o acontecido, não pude acreditar. Até ontem impossível, hoje um grande soco na cara. Meu amigo, você não tem mais o amor da sua vida, seu povo te envergonha, o trabalho não vai bem. E você insiste em viver. Um pouco abstrato, ali na lateral, na janela lateral, lá fora um temporal, lá dentro os homens sórdidos. O poeta disse que talvez José quisesse morrer no mar. Mas em Paenior não há mar, apenas dor. Um rio seria tão poético quanto um mar? Acho que podemos completar tudo o que faltar com verbos enfáticos. Isso compensaria talvez a ausência de mar? Isso seria talvez uma forma de amar? Amar as palavras, não o amor da sua vida. Que se não existe agora, nunca existiu. Ou sempre hesitou? Está bem, vou ali, deixe-me ir, volto já. * Texto escrito no primeiro ano de governo Bolsonaro. Que este ano seja o ano de voltar.