Vão
Desci as escadas correndo, deixando para trás alguns medos e poucos sorrisos. Mas antes que chegasse, as portas do vagão se fecharam. Um pouco dramático, o vagão partiu sem hesitar. Deixou um vazio entre tantas pessoas solitárias. Um vão, um vale, como um rio, bastante geográfico. E em cada margem, erguiam-se pessoas exaustas, como árvores.
A floresta era densa e não havia espaços vazios além do vão. E onde estava o próximo vagão? O vazio continuava a preencher a visão. Foi quando meu olhar recaiu sobre além do vale. E não só vi a outra margem, como prestei atenção.
Do outro lado do vão deixado pelo vagão, entre tantas pessoas solitárias, uma delas em específica me chamou a atenção. Os cabelos encaracolados, castanhos e rebeldes. O olhar perdido, longe do celular. Uma ovelha desgarrada entre tantas ovelhas conduzidas pelos pastores digitais. E com os cabelos encaracolados – como uma ovelha – seus olhos encontraram os meus.
Olhei para o chão, foi o meu primeiro reflexo. E três exatos segundos depois, procurei novamente aqueles olhos curiosos, porém tristes. Olhavam diretamente para mim, mais curiosos do que tristes. Piscou. Pisquei. Os dois olhos, mais fisiologia do que flerte.
E foi um corajoso sorriso que seguiu. Desbravando a hostilidade dos campos selvagens de ovelhas dóceis. E diminuiu o tamanho do vão. Ouvi uma nota daquele violinista de longe, lá do corredor. Um sol?
Foi quando o vagão chegou do outro lado, preenchendo uma parte do vazio. Em breve eu já não fazia mais distinção alguma entre tantas ovelhas comprimidas. Um aviso, um barulho, a partida. E os vagões: lá se vão. De novo um vão. Tentei um olhar em vão. E assim se foi o amor mais breve que já vivi. Para onde?
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